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A Pietà do Lixo – Dona Domingas

A Pietà do Lixo – Dona Domingas Quando chegamos na cidade de Vitória, capital do Espírito Santo, no ano de 1980, começamos a visitar seus monumentos.
Vimos várias estátuas e bustos: Iemanjá, Araribóia, Maurício de Oliveira, Getúlio Vargas, Domingos Martins, Muniz Freire, e muitos outros espalhados pela cidade com as devidas placas e suas inscrições.

Uma dessas estátuas de bronze nos chamou a atenção pelos detalhes da textura do cabelo, face e vestimenta quase reais: Uma senhora negra, corcunda, descalça, levando um saco nas costas e um cajado nas mãos, trajada com uma roupa preta pesada de andar lento.

Aparência de uma pessoa sofrida pelos traços faciais: rugas e olhos caídos.

Estava posta numa das ruas laterais do Palácio Anchieta, sede do governo capixaba. Intrigante é o local onde foi instalada.

Numa pequena área triangular ao “pé” da escadaria Bárbara Lindenberg, acesso ao Palácio. Como “coisa concreta”, fixa, a escultura se integra àquele desenho urbano, mas não se coloca como formadora de identidade do lugar.

A exuberância do Palácio e sua escala se sobrepõem ao da estátua e da praça apensada ao seu contexto. A relação da obra de arte com o lugar é paradoxal. Seu caminhar lento não combinava com o intenso trânsito de pedestres e veículos no local.

Aparentava participar da confusão do centro ao seu redor, sendo apenas mais um dos inúmeros transeuntes ali presentes diariamente.

Por alguns instantes ficamos a olhar o horizonte sem saber se estávamos ao Norte ou ao Sul. Naquele momento uma frase surrada da historiadora Viotti da Costa, volveu a mente: “Um povo sem memória é um povo sem história.

E um povo sem história está fadado a cometer, no presente e no futuro, os mesmos erros do passado”. Consultamos o relógio e, ironia do destino, marcava em nosso calendário gregoriano, dia 19 de agosto, dia do Historiador.

Naquele momento de reflexão uma senhora que passava nos interpelou: O senhor está admirando a estátua de dona Domingas? Prontamente, perguntamos: A senhora conhece a estátua? Sem titubear, sorriu e disse: Não só a estátua, bem como a dona Domingas.

Demonstrando ares de um pretérito perfeito, discorreu algumas palavras: Ela foi catadora de lixo que morava no Bairro de Santo Antonio. Passava o dia a pegar papelão e só voltava para casa ao anoitecer.

Eu a vi muitas vezes pela cidade. Um bom dia e um bom trabalho era o nosso bate papo. Foi esculpida por seu vizinho, o escultor italiano, Carlo Crepaz, que mantinha seu atelier no Bairro de Santo Antonio. Pouco se sabe da vida de dona Domingas.

Dizem que ao ser esculpida por Carlo Crepaz, ele se tornou o seu maior confidente. Terminado, a senhora nos disse: – Uma pena que não tenha uma Biografia! Apenas virou essa estátua fria, de bronze e sem vida! Talvez por piedade ou dor na consciência a colocaram ai!

Aquelas palavras nos tocou o coração: Sem biografia…virou estátua fria de bronze e sem vida!

Naquele momento encerramos a conversa e o incomodo permaneceu em nossa mente por três décadas.

Finalmente, em 1983, ao ver alguns turistas no mesmo local, tentando identificar a estátua, não pensamos duas vezes! Buscamos saber quem seria em carne e osso, dona Domingas.

Enfim, começamos a percorrer o caminho “das pedras” para escrever esta biografia que, certamente mostrará a vida de uma mulher, talvez, a única catadora de lixo, esculpida em bronze no mundo.

Frase de Dona Domingas.

“Você não sabe o que é a escravidão. É muito triste ficar com correntes no pescoço.”

(1954) A Pietà do Lixo – Dona Domingas

Um pouco de Dona Domingas

Finalmente, em 2021, concluímos a biografia de Dona Domingas. Foi publicada no site do Clube dos Autores. Até então, não se conhecia a data de seu nascimento e morte.

No entanto, encontramos na Certidão Tardia de Nascimento, registrada em 18/08/1964 no Cartório Zilma Leite Figueira, ela nasceu em 23 de março de 1884, no Rio de Janeiro. Por outro lado, ela faleceu em 1/06/1966, aos 82 anos de idade.

Seus pais foram Frederico Felippe e Maria Helena. Domingas foi casada com Mario Manoel do Sacramento e teve um filho, João Paulo Bonfim (*1929 – +1/05/1988).
Suas irmãs foram Maria da Conceição Felipe, Brasília Felipe dos Santos e Olira Maria Helena.

Contudo, como muitos dados não estão corretos, confirmados pela família, seguimos a tradição oral, bem como, todos os depoimentos tomados para construir a biografia de dona Domingas.

Sua família veio de Açores por volta de 1814 e foram morar no Sertão de Santo Agostinho (atual cidade de Viana). Permaneceram por algum tempo. Posteriormente, moraram no morro ao lado do Palácio Anchieta. Dona Domingas e sua irmã Olíria gostavam de pegar caranguejos nas águas que batiam perto do Palácio, onde hoje é a escadaria.

A mãe de dona Domingas não pode dar um estudo digno aos filhos. Na época os poucos colégios que tinham ao redor do Palácio eram para as famílias mais abastadas. Mesmo assim o imperador Pedro II escreveu em suas anotações em visita a escola professora Vitória Antunes da Penha :

(janeiro de 1860)

“Aula de meninas de Vitória Antunes da Penha. 16 matriculadas. 14 defreqüência. 1.ª lê mal; gramática nada; multiplica só. Há 5 ou 6 meses;mas já tinha algum estudo.

A professora já serve aqui na Vitória quase 5 anos.

2.ª lê hesitando muito – nada de gramática; multiplica só. Há 8 meses;

já tinha estado em aula particular.

Texto: Estêvão Zizzi / A Pietà do Lixo – Dona Domingas

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